Por Tony Bellotto
BH, 6 de agosto de 2010, 16:12hs.
Anoto local, dia, mês, ano, hora e minuto no momento exato em que termino a leitura de 2666. Sim, estou em Belo Horizonte, almoçando no restaurante Vecchio Sogno. A me fazer companhia, além de Bolaño e seu colosso, um Muga 2004 — vinho da Rioja — e um lombo de bacalhau circundado por batatas inquisitivas, brócolis distraídos e azeitonas perplexas. Meu 2666 pode reclamar de tudo — das quedas abruptas quando eu caía no sono durante sua leitura à noite, dos pingos de shoyu, de azeite, de vinho, de sangue de picanha, de chuva e até do ar comprimido e frio dos Boeings da Gol —, menos da intensa turnê que empreendeu Brasil afora. Quantas cidades visitamos juntos, hein? Vitória, Belém, Brasília, Cuiabá (ainda traz nas páginas da Parte dos críticos alguns vestígios do suco de maracujá que temperava o tabule do Al Manzul, o melhor restaurante árabe do Brasil), Londrina, a praia de Ipanema (minúsculos grãos de areia podem ser detectados na Parte de Fate), BH… já sinto saudades de meu querido companheiro. Na verdade, como já descrevi aqui antes, após atravessar o deserto da Parte dos crimes, ao adentrar a Parte de Archimboldi, comecei a tirar o pé, com medo de que o livro chegasse ao fim. Mas ele chegou. E me pega aqui, em pleno almoço. Olho em torno, procurando alguém com quem comemorar momento tão solene (e um pouco vazio, como um grande amor que chega ao fim). Numa mesa redonda alguns homens degustam vinhos e conversam em alto volume. Temo que não entendam meu entusiasmo literário e talvez até o confundam com alguma espécie de frescura intelectual ou um ataque de veadagem pura e simples. Numa outra mesa, menor, um casal troca confidências. Melhor deixar os pombinhos em paz, não há espaço para Bolaño numa mesa de namorados felizes. Lembro de um e-mail trocado dias antes com Juliana Vettore, da Companhia das Letras. Ela, um pouco mais adiantada que eu na leitura de 2666, já tinha chegado ao fim do livro. E me tranquilizou com a frase intrigante: “o oásis está lá”.
O que posso dizer agora? Que o bacalhau está delicioso e sim, o oásis está lá.
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Tony Bellotto, além de escritor, é compositor e guitarrista da banda de rock Titãs. Seu próximo livro, No buraco, será lançado pela Companhia das Letras em outubro.