Noah foge de casa é o primeiro livro infanto-juvenil de John Boyne desde o best-seller O menino do pijama listrado, que vendeu mais de 350 mil exemplares só no Brasil. Nele, o autor cria um mundo que mistura contos de fadas com os problemas mais cotidianos de um garoto comum.
Noah tem oito anos e acha que a maneira mais fácil de lidar com seus problemas é não pensar neles. Quando se vê cara a cara com uma situação muito maior do que ele próprio, o menino simplesmente foge de casa, aventurando-se sozinho pela floresta desconhecida. Logo, Noah chega a uma loja mágica de brinquedos, com um dono bastante peculiar.
Abaixo, leia um trecho do livro:
* * * * *
Noah abriu os olhos. Não sentia mais como se todos os títeres estivessem se aglomerando em torno dele, preparando-se para soterrá-lo sob seus corpos. Os cochichos haviam cessado. Todos pareciam ter voltado para seus lugares nas prateleiras, e ele se deu conta de como havia sido ridículo ter pensado que o estavam observando ou falando dele. Afinal, não eram seres vivos, eram apenas títeres. Real de fato era o senhor que havia falado com ele, agora a apenas alguns passos de distância, sorrindo um pouco, como se estivesse esperando essa visita havia tempos e estivesse contente por ela afinal ter acontecido. Ele trazia nas mãos um pequeno bloco de madeira de que tirava aparas com um pequeno formão. Noah engoliu rapidamente a saliva de nervosismo e, sem querer, soltou um grito de surpresa.
— Ora — fez o homem, erguendo o olhar do seu trabalho —, pra que gritar assim?
— É que agorinha mesmo não tinha ninguém aqui — respondeu Noah, olhando em volta perplexo. A porta pela qual entrara na loja continuava fora de vista; de onde então aquele homem tinha aparecido? Era um mistério. — E não ouvi o senhor chegar.
— Não quis assustá-lo — disse o homem, que era bem velhinho, mais até que o avô de Noah, com um cabelo amarelado que parecia curau de milho. Tinha olhos brilhantes, que prenderam os de Noah, mas a pele do seu rosto era tão enrugada como Noah nunca antes vira. — É que eu estava lá embaixo, trabalhando. então ouvi passos. Aí achei melhor subir e ver se algum freguês precisava da minha atenção.
— Eu também ouvi passos — disse Noah. — Tenho certeza de que eram os seus, subindo a escada.
— Oh, não eram os meus — replicou o velho, sacudindo a cabeça. — Eu não podia ter ouvido meus próprios passos e então subido para investigar, não é? Só podiam ser os seus.
— Mas o senhor estava lá embaixo. Foi o que o senhor disse.
— Eu disse? — perguntou o velho, franzindo a testa e coçando o queixo como se pensasse no assunto. — Não lembro. Já faz tempo, não é? E minha memória infelizmente não é mais como antes. Talvez eu tenha ouvido a campainha da porta tocar.
— Mas não tinha campainha nenhuma — disse Noah, e nesse momento preciso, como se a campainha houvesse acabado de se lembrar do seu trabalho, um cordial ping soou no alto da porta, que havia reaparecido alguns passos atrás dele.
— Ela também está velha — explicou o velho se desculpando com um encolher de ombros. — você nem a perceberia se ela não tivesse por única obrigação tocar, mas às vezes ela se esquece. Pode até ser que não tenha sido por sua causa que ela soou: pode ter sido por causa de um freguês do ano passado.
Noah girou nos calcanhares, boquiaberto, e olhou surpreso para a campainha, tornando a dar meia-volta e engolindo ruidosamente em seco, sem saber o que dizer para explicar o que havia acabado de acontecer.
— De todo modo, desculpe por ter feito você esperar tanto tempo — disse o velho —, mas é que hoje em dia ando como uma lesma. Não era assim quando eu era moço. Eu era um corisco. Dmitri Capaldi não era nada comparado comigo!
— Tudo bem — respondeu Noah, dando de ombros. — Não faz mesmo muito tempo que estou aqui. Não eram nem onze da manhã quando entrei e… Oh! — Consultou seu relógio e este lhe disse que era quase meio-dia. — Mas não pode ser!
— Pode, sim senhor — replicou o velho. — É que você perdeu a noção do tempo, só isso.
— Perdi uma hora inteirinha?
— Acontece. Uma vez perdi um ano inteiro, pode acreditar. Botei o ano em algum lugar daqui e quando fui procurá-lo não houve jeito de achar. Tenho sempre a sensação de que um dia desses ele vai reaparecer, quando eu menos esperar.